As lições de Germinal para o futuro advogado.
O hábito de ler e de aprender é um dos pressupostos elementares ao bom advogado. É que a nós não basta apenas o conhecimento da lei ou da doutrina. O advogado deve ir além, necessariamente ingressando na filosofia, experimentando a ciência política e a literatura. Deve acumular conhecimento geral, criando ampla bagagem cultural ao mesmo tempo em que domina a linguagem falada e escrita.
“A sabedoria é a única riqueza que os tiranos não podem expropriar”, guarda a lição de KAHLIL GIBRAN.
Daí a iniciativa de divulgar obras literárias de relevância cultural para o advogado através de uma impressão pessoal que provoque curiosidade, germinando algo inestimável e estimulando a busca pela cultura.
Dentre obras literárias que me chamaram atenção ao longo dos anos está “GERMINAL”, de Émile Zola, editora Seguinte, com tradução de Silvana Salerno e ilustrações de Odilon Moraes.
O livro foi uma antiga indicação de um professor de pós-graduação. Guardei na memória o nome da obra e do autor. Anos depois, enquanto passava os olhos nas estantes de uma livraria no centro de Curitiba, me deparei com GERMINAL. A capa ilustrada em preto e branco, na imagem de reunião em discussão acalorada, mas sussurrada e temerosa, em uma mesa de madeira de bar. Sem titubear, comprei o livro. Era chegada a hora de finalmente aprender com Émile Zola.
GERMINAL é uma lição de vida. Não a que estamos acostumados, mas uma outra, mais dura, mais violenta. Conta a vida dos carvoeiros do século XIX, nas minas do norte da França, na alvorada dos movimentos sociais de trabalhadores. A descrição das paisagens e personagens nos transporta para aquele ambiente de transformação. Se coloca diante da efervescência social, econômica, política e cultural pelo embate do capitalismo consolidado pelas Revoluções Industriais frente ao nascimento da autoconsciência de que trabalhadores são também titulares de direitos e do poder da união para garantir melhores condições. Trata do sofrimento cru experimentado pelos empregados, cuja pobreza e condições sub-humanas de trabalho ultrapassam a mera exploração financeira. Vai além, para demonstrar que a miséria passa a repercutir em todos os aspectos de suas vidas e que se repetiam nas futuras gerações, nos filhos que já nasciam sob essas invisíveis correntes. E tudo isso abraçado em um sentimento de impotência frente ao poder do capital e do Estado, que o oprime e reprime, e que lhes reduz a meras almas conformadas.
Acompanhando a trama social está um romance vivo, repleto de dramas pessoais não dissociados do drama coletivo, nascendo um amor que se desenvolve de forma imperceptível no meio de toda aquela miséria, entre o visionário Ettiene e da doce Catherine, filha do velho Maheu.
Tem sua apoteose no limite da insatisfação dos empregados explorados, que vai se elevando em greve tratada como uma panela de pressão, que acaba finalmente explodindo em um espetáculo de violência, crueldade, frustração e absoluta tristeza.
Não obstante a tragédia, GERMINAL é um romance necessário. O ritmo com que vai inserindo o leitor na Europa daqueles dias, não tão distante e mais real do que o que vivemos hoje, faz a leitura avançar sem dificuldade. Lê-se gostosamente e em pouco tempo. Muito em razão do enredo e dos personagens, excepcionais diga-se, da linguagem objetiva do autor e de tradução a altura do “naturalismo” de Zola.
Enfim, GERMINAL é obra que o advogado deve ler. Independente da escolha ideológica, oferece imagem distinta e vívida do que é o Direito aplicado às relações do trabalho, sua importância social e qual a direção que merece avançar.
Boa leitura!
Henrique Richter Caron, sócio da MRC Advogados.
Referência:
ZOLA, Émile. Germinal. Tradução de Silvana Salerno. Ilustração de Odilon Moraes. São Paulo: Seguinte, 2016. 256p.
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