A separação de fato na união estável.
Interpretação ao artigo 1.723, § 1º, do código civil.
Ao tratar da união estável, o artigo 1.723, do Código Civil adotou os requisitos exigidos pelo artigo 1º da Lei 9.278/76: “a convivência duradora, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
O núcleo de maior influência da doutrina e da jurisprudência, influenciado pelo conservadorismo da sociedade brasileira, cuja origem é religiosa, imprimiu uma interpretação restritiva à ordem jurídica civil sobre a união estável, em especial, ao parágrafo primeiro do artigo 1.723, do Código Civil que dispõe: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do artigo 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”.
Essa interpretação, limitando o sentido da norma, provocou a questão mais controvertida sobre a união estável: o direito do companheiro que, ainda vinculado juridicamente ao casamento, mas separado de fato, ter a união estável reconhecida. Por reconhecer que esse estado não cumpriria a função constitucional da família, negava-se esse direito.
Com o tempo, a jurisprudência interveio e remeteu a questão para ser resolvida no campo probatório. O vínculo jurídico do casamento deixou de ser um impedimento absoluto para o reconhecimento da união estável, desde que se faça a prova da cessação das obrigações do matrimonio civil.
Há tempo, o Superior Tribunal de Justiça pacificou que essa questão se resolve no ambiente probatório. No Recurso Especial nº 354.424-PE, T6- Sexta Turma recepcionou por unanimidade o voto regente do Ministro Hélio Quaglia Barbosa cujo fundamento específico é destacado:
“A subsistência do vínculo conjugal – desde que haja a desconfiguração da sociedade conjugal, em razão da separação fática ou jurídica, não constitui por si só, razão para não se atribuir à companheira à percepção da pensão, a ser partilhada com a viúva. A resposta a essa indagação depende de se saber que razões acarretariam fator de discriminação hábil ao tratamento jurídico diferenciado entre as duas situações.
O mero fato de persistir a existência de vínculo conjugal com outrem não deve excluir o direito da companheira. Qualquer desigualdade de tratamento jurídico, nessas circunstâncias, importaria em violação ao princípio da isonomia, insculpido no caput do artigo 5º da Constituição Federal”. (Julgado em 17.12.2004, pesquisa no site certificado do STJ, palavras-chave: união estável, casamento concomitante”.
Na Apelação Civel nº 0022634-02.2014.8.0188, o Tribunal de Justiça do Paraná, julgando com base na prova dos fatos, decidiu:
Apelação Cível – Ação Declaratória de União Estável post mortem – Sentença de improcedência da pretensão inicial e de procedência da pretensão formulada em incidente de falsidade documental – Insurgência da autora – Pedido de reconhecimento da União Estável Post Mortem – Acolhimento – Invalidade de certidão de casamento religioso que não produz efeito sobre a união estável, por se tratar de entidade familiar de caráter informal. Demais elementos de prova que permitem o reconhecimento post mortem da União Estável – art. 1.723 do Código Civil – Comunhão plena de vida evidenciada ao longo de vários anos, inclusive com existência de filho em comum – União pública, contínua e duradoura com nítido propósito de constituir família – Provas indicativas da separação de fato do companheiro e seu cônjuge – Coabitação que não permite aferir, por si, a comunhão plena de vida decorrente do casamento – Situação que, no mínimo, implica no reconhecimento da simultaneidade para atribuição de efeitos post mortem – Alegada concomitância de casamento que não autoriza a supressão de direitos decorrentes da união estável à companheira – Divisão tripartite do patrimônio amealhado – Inversão do ônus sucumbencial – Sentença reformada – Recurso provido em parte, por maioria de votos. (Julgado em 11.10.2020, relatora para acórdão: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin, pesquisa no site certificado do TJPR, palavras-chave: união estável – separação de fato).
O Agravo em Recurso Especial nº 2025016-PR, resolvido por despacho monocrático do Ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas, manteve esse precedente do Tribunal paranaense.
Tem-se, então, que a interpretação dos requisitos do parágrafo primeiro do artigo 1.723, do Código Civil deve ser procedida em razão de que a separação de fato é um ato jurídico que pode ser ou não ser desconstituído.
Dr. Mafuz Abrão, sócio fundador da MRC Advogados.
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